Inominável Inominável #16 | Page 68

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Há três meses fui operada à coluna. Nada complicado, segundo o médico, hérnia discal cervical, entre a C5 e a C6.

E, perante isto, em que pensa a pessoa a quem vão abrir caminho pelo pescoço, logo ali abaixo do queixo, para remover um dos discos da coluna e colocar uma prótese? A pessoa pensa no avanço que vai dar aos montes de livros por ler (pilha não, a minha casa não teria altura para tal) durante a baixa.

Baixa por doença. Lá está, não se pode trabalhar até recuperar. Mas eu achei (achei mesmo) que leria a toda a hora, que colocaria em prática o desejo de qualquer viciado em livros. Os dias passaram… E todas as manhãs eu achava que podia ser esse o dia, mas não foi assim, o cansaço era demasiado para os meus próprios pensamentos, quanto mais para ler os pensamentos dos outros.

Colar cervical sempre. Olhar o mundo com altivez. Não pegar em pesos.

Não é fácil segurar o objecto livro (sim, contornei a regra dos pesos) mesmo usando um apoio, e contrariar a pressão do colar é tarefa impossível. Os braços não levantam o livro, a cabeça não inclina para baixo. Sim, eu sei que há e-readers para simplificar estas situações, e mesmo não gostando tenho um kobo para eventualidades deste género (prefiro que as eventualidades sejam viagens, mas…), no entanto a maquineta desapareceu. Obviamente que o encontrei já o médico me tinha libertado do colar. Não é sempre assim?

Bom, tudo isto parecem desculpas. Conversa para contornar o que interessa, ler. Infelizmente, nas primeiras semanas não o consegui fazer. Não só pelas dificuldades motoras descritas, mas também (acima de tudo, para ser honesta) pelo cansaço mental. Irónico.

ANEXO

por Márcia Balsas

Inominável

Na saúde

e na doença