Dragões #448 Mar 2024 | Page 22

ARTUR JORGE

Um

intelectual de esquerda no mundo do

futebol

Artur Jorge foi um grande jogador e treinador de futebol , mas foi muito mais do que isso . Licenciado em Germânicas , autor de um livro de poesia , leitor compulsivo , melómano e colecionador de arte , teve ainda um curioso percurso político e sindical .
TEXTO : DIOGO FARIA

A primeira entrevista de Artur Jorge foi dada ao jornal “ O Porto ”, órgão oficial do FC Porto , a 28 de fevereiro de 1962 . Tinha acabado de completar 16 anos , era o sócio 6.725 do clube e brilhava como avançado da equipa de infantis . Já revelava algumas das características que o distinguiriam nas décadas seguintes : interessava-se mais pelas letras do que pelas ciências e dava a entender que os estudos poderiam vir a ser mais importantes do que o futebol . Mais importantes não terão sido , mas foram seguramente relevantes e permitiram estabelecer uma distinção clara entre o perfil de Artur Jorge e o da maioria dos futebolistas

seus contemporâneos . Aos 19 anos mudou-se para Coimbra – e para a república do Ninho dos Matulões –, onde para além de jogar pela Académica estudou Filologia Germânica na Faculdade de Letras . Viria a completar o curso na Universidade de Lisboa depois de rumar à capital para representar o Benfica . Entretanto , politizou-se . Influenciado pelo Maio de 68 , pela resistência à guerra colonial portuguesa e ao conflito do Vietname , colocou-se claramente no lado esquerdo do espectro . Foram tempos que viveu “ com paixão ” e em que começou a envolver-se em “ movimentos em que acreditava cegamente ”. Da teoria à prática , estava
disposto a assumir posições interventivas . Em 1972 integrou o grupo de fundadores e foi o primeiro presidente do Sindicato dos Jogadores Profissionais de Futebol , cujos estatutos foram redigidos pelo advogado Jorge Sampaio , futuro Presidente da República . Em pleno regime do Estado Novo , protagonizou o arranque da luta pelos direitos laborais dos atletas e proferiu declarações fortes em algumas ocasiões , como quando qualificou como “ esclavagista ” a “ lei da rolha ” – um regulamento interno que impedia os jogadores de falar à imprensa sem validação , de frequentar praias e piscinas e até de casar sem autorização – que esteve na origem da saída de
José Maria Pedroto do comando técnico do Vitória de Setúbal . O envolvimento com a política aprofundou-se depois do 25 de abril de 1974 , em paralelo com os últimos anos de carreira como jogador . Em 1975 , foi candidato a deputado à Assembleia Constituinte numa posição não elegível das listas do MDP / CDE – um movimento de esquerda fundado em 1969 , que viria a coligar-se com o PCP entre 1979 e 1987 e que esteve na génese do Política XXI , um dos partidos que originaram o Bloco de Esquerda . Terminado o percurso como jogador , voltou a estudar . Da mesma forma que José Maria Pedroto , na década de 1960 , se distinguira na
22 REVISTA DRAGÕES MARÇO 2024