Dragões #426 Mai 2022 | Page 72

A ROTA DO DRAGÃO

Dragões brasonados

A cabeça do dragão . Pormenor decorativo da escadaria nobre do Palacete Balsemão
No ano do centenário do emblema do FC Porto , aprovado em assembleia geral de 9 de outubro de 1922 , prosseguimos com a apresentação de percursos , monumentos e sítios que revelam as relações da cidade com o dragão . Encimando o emblema , esta figura mitológica está longe de se esgotar nos ícones portistas ou nos que foram inspirados no brasão do burgo , surgindo também noutras representações heráldicas existentes na Invicta . Nesta “ Rota ” vamos conhecer três casos que nos levam a outros tantos espaços icónicos , como a Praça de Carlos Alberto , a Rua das
Flores e a Avenida da Boavista .
TEXTO : JOEL CLETO FOTOS : SÉRGIO JACQUES

A

Praça de Carlos Alberto é um dos mais históricos espaços do Porto . Denominada anteriormente como Largo dos Ferradores , foi durante séculos um dos mais importantes e estratégicos espaços de saída da cidade , uma vez que daqui partiam a velha estrada para Braga ( coincidente , hoje , com as ruas das Oliveiras e a dos Mártires da Liberdade ) e a não menos importante estrada para a Póvoa de Varzim e Viana do Castelo ( através da atual Rua de Cedofeita ). Tal localização contribuiu durante muito tempo para que aqui se concentrassem tabernas , casas de pasto , pensões e … ferradores . Aqui foi construído também , já a partir dos finais do século XVIII , o imponente hospital da Ordem Terceira do Carmo e , no jardim que
ocupa o centro da praça - espaço que ao longo do século XIX abrigou diversas feiras regulares incluindo “ a do gado ” - foi erguida em 1928 a icónica estátua que homenageia os soldados portugueses que participaram na Primeira Guerra Mundial , da autoria do então jovem escultor Henrique Moreira , que ao longo das décadas seguintes viria a ser o criador de muitas outras esculturas que se tornaram símbolos da cidade . Bem mais recente é a estátua , assinada por José Rodrigues , que evoca Humberto Delgado , o “ General Sem Medo ”, que em 1958 ousou enfrentar a Ditadura Nacional de Salazar numas eleições presidenciais que viriam a revelar-se uma enorme fraude . Humberto Delgado tinha a sua sede de campanha nesta praça , sobre o histórico café Luso , e a receção
que a cidade lhe prestou , registada em fotografias que revelam uma multidão que se acotovelava por toda a praça , foi uma das maiores manifestações contra a ditadura . A designação que a praça passou a ostentar desde meados do século XIX resulta da vontade da cidade em perpetuar o nome do rei liberal italiano que em 1849 escolheu o Porto como local de exílio e da sua morte . Ora , a opção por este espaço para o homenagear não foi inocente . Com efeito , embora o monarca tivesse passado grande parte do período que viveu na
cidade na Quinta da Macieirinha – facto que contribuiu de um modo decisivo para que na sua casa tenha sido instalado durante décadas o recentemente desaparecido Museu Romântico , que salvaguardava tão relevante memória e significado – Carlos Alberto , nos seus primeiros dias no Porto , hospedou-se nesta praça , mais precisamente naquela que era então uma das mais qualificadas hospedarias do burgo : a “ do Peixe ”. Tal imóvel , que nascera em meados do século XVIII como residência aristocrática do fidalgo José Alvo Brandão , fora alugada
72 REVISTA DRAGÕES MAIO 2022